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A Grécia antes e depois da pandemia

Thursday, 21 May 2020

Após uma profunda austeridade e enormes sacrifícios do povo grego, a Grécia entrou numa nova era de recuperação económica, tendo criado, no entanto, as condições propícias para um crescimento económico sustentável, o aumento dos postos de trabalho e o saneamento das contas públicas. Após as primeiras pós-memorando eleições legislativas, celebradas a 7 de julho de 2019, o novo Governo prosseguiu os esforços de ultrapassar todas as consequências prejudiciais que deixou uma década de profunda crise financeira. O fim dos programas de ajustamento financeiro não supunha automaticamente o fim de todos os problemas, algo que Portugal percebeu bem depois do fim do seu programa de ajuste estrutural. A finais do ano 2019, o país mantém-se na trajetória do desenvolvimento económico, acompanhado de uma tendência constante de descida gradual da dívida pública.

Neste contexto, a Grécia continua a ser um polo de estabilidade na Europa do Sudeste e no Mediterrâneo Oriental frente às prolongadas crises de Síria e Líbia - importantes países vizinhos para nós - e à eternização da questão cipriota, apesar dos esforços vigorosos que ambos os países - Grécia e Chipre - vêm realizando para a sua solução.

Infelizmente, os grandes desafios da questão migratória e dos refugiados continuaram presentes, criando fortes tensões ao longo do 2020. A Grécia enfrentou todas estas questões com firmeza, garantindo a estabilidade. Agiu sempre com a apropriada serenidade e com proporcionalidade, defendendo as suas fronteiras, que são, também, as fronteiras da União Europeia. A política exterior grega está estruturada sobre os fortes alicerces do direito internacional e do acervo europeu que a Grécia sempre cumpriu com rigor e continuará a fazê-lo.

Outro acontecimento que marcou o ano em curso foi a eleição por ampla maioria parlamentaria da nova presidente da República, até então presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Katerina Sakellaropoulou. É a primeira vez que uma mulher ocupa a instituição mais alta do Estado, um facto de alto simbolismo democrático.

Contudo, a positiva trajetória do país, antes citada, foi bruscamente interrompida pela invasão do novo vírus, covid-19. Para fazer frente ao novo desafio, a Grécia definiu como primeira prioridade a defesa da saúde de todos os cidadãos, focando-se no combate para travar a disseminação do vírus e, ao mesmo tempo, reduzir os efeitos socioeconómicos da pandemia.

Já, desde janeiro, o primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis, pediu às autoridades a elaboração de um plano de ação para travar a propagação do vírus, baseado no parecer da comunidade científica e em estreita comunicação com a Organização Mundial da Saúde e as instituições europeias. Também procedeu a uma série de medidas para fortalecer o Serviço Nacional da Saúde, o qual, aliás, conta com pessoal médico e sanitário altamente qualificado. Lembre-se ainda que na Grécia existe um alto nível dos estudos universitários de Medicina e Ciências da Saúde.

As primeiras medidas foram tomadas no dia 27 de fevereiro, após o país registar o primeiro caso, com o cancelamento das celebrações do Carnaval. No dia 10 de março, foi decretado o encerramento de escolas e universidades. A imposição do confinamento geral chegou a 13 de março, um dia após o primeira vítima mortal, com o encerramento de todas as lojas comerciais, museus, monumentos, restaurantes, cafés, hotéis, ginásios e praias. Proibiram-se os aglomerados públicos de mais de dez pessoas, restringindo as deslocações entre concelhos e as viagens para as ilhas, bem como os atos de culto religioso, incluindo as populares celebrações da Páscoa Ortodoxa. Um desafio nada fácil para um povo que, por razões de tempo e de mentalidade, gosta de desfrutar do espaço público, das ruas e das praças, mas que foi ultrapassado com êxito, tal como os números da evolução da pandemia vêm demonstrando.

Os campos de refugiados foram outro desafio importante ao qual o Governo grego reagiu cedo, com a implantação de medidas estritas de distanciamento social, como o cancelamento de todas as visitas aos campos, um exame termométrico para cada recém-chegado, a desinfeção diária de todos os espaços comuns e a suspensão de todas as atividades em espaços fechados. Além disso, os refugiados são aconselhados a não deixarem os campos e há distribuição diária de informações em grego, inglês, francês, árabe e farsi. Em todos os campos foram instaladas caixas multibanco e zonas acondicionadas especiais de controle sanitário, bem como zonas especiais de quarentena, em caso de surto.

A resposta rápida para a contenção do crescimento exponencial do vírus foi acompanhada de um plano para enfrentar o impacte económico da crise sobre as empresas e os trabalhadores. O Governo lançou um pacote abrangente de subsídios e linhas de crédito a fim de apoiar quer as empresas, com injeções de liquidez e medidas excecionais e temporárias para aliviar os seus compromissos perante os bancos, a segurança social e o fisco, quer o emprego, com uma cláusula que proíbe os despedimentos nas empresas que entram no regime lay-off, quer os rendimentos dos trabalhadores do setor privado e dos profissionais independentes afetados pelo confinamento obrigatório. Semelhantes medidas foram adotadas, também, para estimular a retoma da economia durante a fase do desconfinamento. Portanto, o pacote global que o Governo mobilizou durante as duas fases da crise (confinamento e retoma económica) foi de 12,5 mil milhões de euros. A este montante deveríamos adicionar os apoios decorrentes do uso dos mecanismos e fundos que a União Europeia facilitará para os seus membros (programa SURE, linhas de crédito do MEE e do BEI).

É de assinalar também a contribuição da Grécia nas pesquisas científicas para vencer o covid-19. O primeiro-ministro, K. Mitsotakis, ofereceu em nome do Governo grego três milhões de euros na conferência internacional de doadores que organizou a União Europeia para o desenvolvimento da vacina e tratamento do vírus. Paralelamente, a Secretaria-Geral de Investigação e Tecnologia lançou um estudo epidemiológico de valor de 2,5 milhões de euros, centrado em decifrar o genoma do vírus.

Tendo travado com eficácia a propagação do vírus (2770 casos confirmados e 160 óbitos), os gregos entraram, no dia 4 de maio, na primeira fase do desconfinamento com confiança na sua administração pública, que soube agir eficazmente e ficar ao lado dos cidadãos.

Ninguém duvida de que a situação que o país enfrenta vai ser difícil e que a dívida pública voltará a disparar. Mas não estamos no ano 2010. Existem instituições e ferramentas europeias que ajudarão os Estados membros da UE a gerir, também, esta crise.

Por outro lado, a Grécia e Portugal coordenam os seus esforços no seio da UE, reivindicando subsídios e não empréstimos que acabam por agravar mais a dívida pública e trabalhando conjuntamente para o regresso do turismo, importante fonte de receitas para ambos os países. Os dois povos partilham metas semelhantes, apesar de a geografia tê-los colocado nos extremos opostos do sul do continente europeu. Os dois países compartilham, também, os mesmos valores da democracia e dos direitos humanos. E é esta base comum de valores e objetivos que funciona como um fio invisível que une os nossos dois povos, fazendo que ambos contemplem o futuro com otimismo.

Concluindo, gostaria de expressar a minha admiração pela maturidade que demonstraram portugueses e gregos, nestas circunstâncias extraordinárias, mas também, a minha esperança de ambos conseguirem paulatinamente a nova normalidade. Juntos e ajudando-nos mutuamente vamos ultrapassar o difícil e insólito problema do covid-19.



Embaixador da Grécia em Lisboa

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